"Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano."

Os Lusíadas, Luís de Camões
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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Sugestão de Leitura: “Memória de Inês de Castro” de António Cândido Franco

Sobre o autor: António Cândido Franco nasceu, em Lisboa, a António Cândido Franco13 de Julho de 1956. Com uma Licenciatura em Literatura Românica, apresentou uma tese de Mestrado intitulada Exercícios sobre o Imaginário Cabo-Verdeano (simbologia telúrico-marítima em Manuel Lopes) publicada pela editora Pendor, em 1996. A sua tese de Doutoramento, apresentada em 1997 na Universidade de Évora (onde exercia funções docentes), foi publicada pela Imprensa Nacional em 2000 com o título A Literatura de Teixeira de Pascoaes. Conferencista, prefaciador e apresentador de livros, publicou  numerosos ensaios, dispersos por jornais e revistas, designadamente a revista Colóquio/Letras. Em 1999, recebeu o Prémio Revelação Ensaio, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores/Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, com a obra Eleanor na Serra de Pascoaes (ed. Átrio). Grande estudioso da obra de Teixeira de Pascoaes, é um dos maiores ensaístas portugueses contemporâneos.  Actualmente, é Professor na Universidade de Évora.

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Há qualquer coisa de miraculoso no encontro em que Pedro repara pela primeira vez, com atenção, em Inês. O infante tinha chegado da Atouguia, com seu ar despreocupado, meio aborrecido e cheio de uma sede insaciável. Foi Inês que preparou na cozinha a bebida de Pedro. Ele agradeceu ligeiramente com a cabeça e bebeu, sem reparar em mais nada. Quando ergueu a cabeça e fitou o rosto de Inês, reparou, intrigado, que os cabelos desta pareciam despedir labaredas. Era um lume que crepitava em silêncio. Foi então que Inês, de forma inesperada, lhe encostou a ponta dos dedos na face. Todas as margens do ser, a esse contacto, foram incendiadas, os diques derrubados. Foi, porém, um gesto inocente, quase pueril. A célebre gaguez de Pedro pode datar desse instante. O amor foi nele o terror dum susto. [...]

Inês ganhou Pedro e depois a própria coroa portuguesa, não por um privilégio de matrimónio, mas pelo privilégio humano dos seus próprios dons. Ela encarnava qualidades humanas raras e todo o seu corpo era a expressão silenciosa das mais altas virtudes do homem. [...]

- Senhora, abri, que é El-Rei de Portugal.

Inês estava junto da janela onde esvoaçava o lençol branco do seu enxoval. Mandou Fátima ir passear pela alameda com as crianças. A solidão do aposento apareceu-lhe como a expressão do seu sacrifício. Preparava-se para a morte como se tinha antes preparado para o amor. Penteou-se e vestiu-se de branco. Inês vestiu-se de branco para morrer e pôs nas mãos um colar de pedras que Pedro lhe dera. E fê-lo, não para interpelar Afonso, mas para mostrar à morte a sua aliança com a vida. [...]

A entrada do rei e dos seus conselheiros nos aposentos de Inês foi intempestiva. Vinham sobretudo preparados para um longo desacordo com Inês, mas a gelada indiferença desta petrificou-lhes os intentos. Todas as tradicionais hesitações atribuídas a Afonso no momento de assassinar Inês devem-se justamente à inesperada atitude dela: nem filhos nem palavras. É fácil vencer um opositor armado e feroz, mas é difícil matar uma mulher que, em vez de brandir argumentos, nos apresenta um vestido branco cheio de silêncio. [...]

O sol declinava no horizonte. Afonso trazia enfim a mão manchada de sangue e os olhos baixos. [...]

Pedro, de madrugada, quando chegou à alameda dos olhos de água, onde hoje é a fonte dos amores, avistou o lençol branco a esvoaçar ao vento. Teve de arrombar sucessivas portas fechadas, no palácio deserto, enquanto gritava desalmadamente por Inês. Quando viu o corpo de Inês desfeito em sangue, a voz ficou-lhe presa na garganta. A célebre gaguez de Pedro, tão falada por Femão Lopes, não era congénita. A gaguez de Pedro foi a consequência imediata da morte de Inês. Se o amor, em vida de Inês, lhe tirou o significado das palavras, o amor, com a morte, tirou-lhe para sempre a fala. Era de madrugada e em Coimbra levantavam-se os primeiros rumores sobre a morte de Inês de Castro. Amanheceu baço e sem luz aquilo que foi o dia.

António Cândido Franco, Memória de Inês de Castro, Publicações Europa-América, Lisboa, 1990 
http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/arquivo/2005_01.html#175236

sábado, 14 de fevereiro de 2009

“A Morte O Amor A Vida” de Paul Eluard

| seleccionado por: Bruno Fernandes

Neste Dia de São Valentim, dia dedicado a todos os namorados e enamorados, seleccionamos este poema Paul Eluard.

Julguei que podia quebrar a profundeza a
                                                               [imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue
Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro
                                                             [nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula
Tu vieste o fogo então reanimou-se
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de
                                                                      [estrelas
E a terra cobriu-se
Da tua carne clara e eu senti-me leve
Vieste a solidão fora vencida
Eu tinha um guia na terra
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido
Avançava ganhava espaço e tempo
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente
                                                                     [para a luz
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava
                                                               [as suas velas
O sono transbordava de sonhos e a noite
Prometia à aurora olhares confiantes
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos
O repouso deslumbrado substituía a fadiga
E eu adorava o amor como nos meus primeiros
                                                                         [tempos
Os campos estão lavrados as fábricas irradiam
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas
Nada é simples nem singular
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite
A floresta dá segurança às árvores
E as paredes das casas têm uma pele comum
E as estradas cruzam-se sempre
Os homens nasceram para se entenderem
Para se compreenderem para se amarem
Têm filhos que se tornarão pais dos homens
Têm filhos sem eira nem beira
Que hão-de reinventar o fogo
Que hão-de reinventar os homens
E a natureza e a sua pátria
A de todos os homens
A de todos os tempos.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"

Fontes: 

Poema: Citador -  http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200811100407
Foto: “Se me é negado o amor…” – Sónia Cristina Carvalho - http://olhares.aeiou.pt/se_me_e_negado_o_amor_foto964704.html

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

“Amor” de Jorge de Sena

Aproxima-se o chamado "Dia dos namorados", o Dia de S.Valentim, em que supostamente se celebra o amor. Deixando de lado o que todos sabemos do aproveitamento comercial que disso se faz, o que menoriza o sentimento, deixamos aqui um belo poema de amor de Jorge de Sena:

AMOR

Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem
como não amam se de amor não pensam
os que amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos
mas só amamos quando amamos ao acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar não amam.

Jorge de Sena, in Peregrinatio ad loca infecta, Portugália, Lisboa, 1969 (poema de 1965)

Fontes:
Foto:
Graça Loureiro “É Urgente o Amor”
http://olhares.aeiou.pt/e_urgente_o_amor_foto927404.html

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Sugestão de Leitura: “A Rainha Arcaica” de Ivan Junqueira

Ana Salomé ofereceu-nos outra informação valiosa, esta dada por intermédio de Nuno Dempster (a quem agradecemos, o poema e não só): A Rainha Arcaica da autoria de Ivan Junqueira, que se debruça sobre a temática dos amores inesianos.

V           EU ERA MOÇA, MENINA...

Eu era moça, menina, em meus paços
muito honrada, por nome Inês de Castro
quando o vi no Mondego, inquieto e esgalgo,
a sitiar-me a fímbria das espáduas.
Era o infante meu primo, ajaezado,
o dinasta afonsino com seus gládios,
seus cães de fino faro em meu encalço
no afã de decifrar-me a foz do orgasmo.
Ele se veio a mim como quem sabe
que à fêmea apraz o macho sem alarde.
Nada pediu. Quis-me. Fiz-lhe a vontade.
E a sorte, bem sabeis, lançada estava
quando o vi no Mondego (e já era tarde
para o perdão de Portugal e o Algarve).

VI      INÊS E CONSTANÇA

Foi de Castela que vieram as duas
ao encontro do infante e do infortúnio:
Constança, a que jamais lhe aprouve à gula;
e a outra, que lhe coube como adúltera.
Vieram ambas de Castela: uma,
de alta linhagem e trânsfuga luxúria;
e Inês, a de Galiza e coma ruiva,
também fidalga, mas de berço avulso.
E desde logo perceberam as duas
que dele ao todo não seriam nunca,
nem nesta terra nem em parte alguma,
nem como esposas nem rainhas suas:
a que desceu antes de sê-lo ao túmulo
e a que somente o foi quando defunta.

IX            MORTE DE INÊS

Foram dois, sim, que deles guardo a injúria
sepulta neste pélago do mundo,
onde mais nada me apetece ou pulsa
e em vão meus lábios rezam a pedras mudas
Sim, foram dois, eu sei, alfanje em punho
que se soltaram contra mim, aduncos,
com garras de rapina e cenho duro
tão logo el-rei foi surdo às minhas súplicas
e à fala que lhe fiz entre soluços,
pondo ali de redor meus três miúdos.
À vista deles trespassou-me o gume
como um dilúvio de aguilhões e acúleos.
Que dor, infante, a de não mais ser tua!
E foi então que a noite me fez sua.

XII           VAI NUMAS ANDAS...

            . . . sempre o seu corpo foi per todo o caminho per antre círios acesos.

                        Femão Lopes, Crónica de D. Pedro I, cap. XLIV


Por entre a luz dos círios, sob a névoa,
navega o féretro de uma donzela.
Vai numas andas que os fidalgos levam
em lento périplo ao redor das glebas.
E voa assim por dezassete léguas
que entre Alcobaça e as serras se enovelam.
Vai leve o séquito em seu curso aéreo
ao som do réquiem que sussurram os clérigos.
Flameja a infanta sobre um mar de flechas
e nave adentro flui rumo à capela,
cerca de Pedro, que na pedra a espera
e em pedra a entalha da coroa aos pés.
Descansa Inês, longe dos reis terrestres,
Pois que outro reino agora te celebra.

XIII           INÊS, RAINHA PÓSTUMA

Estavas, linda Inês, póstuma e lívida,
como se a vida em ti não mais fluísse,
mas quem te contemplasse saberia
que eras enfim o nervo do conflito:
não tanto aquele que te fez a vítima
dos reis e das intrigas da península,
mas o que dentro de ti mesma urdiram
teu sangue abrupto e teu amor sem bridas.
Por isso é que o sossego não te cinge
nem te refreia o frémito do instinto
que ainda fustiga o flanco de tuas cinzas.
Ali, na pedra, és de ti própria a epígrafe:
princípio e fim da mísera e mesquinha
que despois de ser morta foy Rainha.

Ivan Junqueira

In A Rainha Arcaica, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1980

Também disponível:
http://nocturnocomgatos.weblog.com.pt/arquivo/2005_01.html#175236

“Inês” de Nuno Dempster

Nós gostamos muito da Ana Salomé (www.cicio.blogspot.com) – como poetisa e como ser humano – e, por isso, convidámo-la a escrever um poema sobre os amores de Pedro e Inês para publicarmos no nosso blogue. Ela, como seria de esperar, acolheu-nos gentilmente. Entrementes, deu-nos informações preciosas sobre outros escritores. Assim, deixamos aqui um poema inédito que, nas palavras de Ana Salomé, "é perturbante e que implica o plano histórico com um plano pessoal", poema de um poeta açoriano, que lançou agora o livro Dispersão – Poesia Reunida, chamado Nuno Dempster. http://esquerda-da-virgula.blogspot.com

Inês,
finjo-te devorada pela sombra
de Pedro a que, por quanto em vida,
foste fiel, Inês atormentada
de nunca ter morrido.
Se te fingisse em outro nome,
tudo teria sido fácil,
não haveria assaltos em que eu era
violador de túmulos
na Igreja de Alcobaça,
provavelmente havia na varanda
sardinheiras vermelhas,
eu não imaginava o teu destino
e os carros passariam tranquilos.

Nuno Dempster
«Obituário 6»

In A esquerda da vírgula : http://esquerda-da-virgula.blogspot.com/2009/01/obiturio-6.html

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Poemas de Amor: “Os Lusíadas” - Episódio de Inês de Castro (Canto III, estrofes 118 a 135)

"Passada estão tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e dino da memória
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha."

O rei Afonso voltou a Portugal depois da vitória contra os mouros, esperando obter tanta glória na paz quanto obtivera na guerra. Então aconteceu o triste e memorável caso da desventurada que foi rainha depois de ser
morta, assassinada.

 

"Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano".

O amor, somente ele, foi quem causou a morte de Inês, como
se ela fosse uma inimiga. Dizem que o amor feroz, cruel, não se satisfaz com as lágrimas, com a tristeza, mas exige, como um deus severo e despótico, banhar seus altares ("aras") em sangue humano: requer sacrifícios humanos. A palavra "pérfido", na obra, geralmente refere-se aos mouros inimigos. Nesse verso, parece indicar que Inês foi morta com a mesma crueldade que se
usava contra eles.

"Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas."

Inês estava em Coimbra, sossegada, usufruindo ("colhendo doce fruito") da felicidade ilusória ("engano da alma, ledo e cego") e breve ("Que a Fortuna não deixa durar muito") da juventude. Nos campos, com os belos olhos úmidos de lágrimas de amor, repetia o nome do seu amado aos montes (para cima, para o alto) e às ervas (para baixo, para o chão). As formas "fruito" e "enxuito" são variantes de "fruto" e "enxuto". Durante muito tempo, enquanto a Língua Portuguesa se solidificava, essas variantes foram utilizadas simultaneamente. Depois, acabou por definir "fruto" e "enxuto" como a forma culta.

 

Na época, "despois", "fruito", "enxuito" e "escuito" eram palavras comuns. As formas são usadas para adequar a estrutura poética de Os Lusíadas (a oitava-rima), formada por versos decassílabos (heróicos ou sáficos) e respeitar o sistema rítmico dos versos: abababcc. Portanto, "fruito" (verso 2) e "enxuito" (verso 6) são as rimas cabíveis a "muito" (verso 4). Essas formas arcaicas ainda são utilizadas em muitas regiões.

"Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam.
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria."

As lembranças do príncipe respondiam-lhe, em pensamentos e em sonhos, quando ele estava longe. Isto é, a memória do amado fazia com que Inês conversasse com ele quando este estava ausente. Ambos não se esqueciam um do outro e se "comunicavam" por meio da memória, em forma de pensamentos e sonhos. Assim, tudo quanto faziam ou viam os deixava felizes, porque lembravam dos respectivos amados. Essa estrofe é bastante ambígua. As lembranças do príncipe vinham à mente de Inês como resposta aos seus cuidados amorosos. Por outro lado, as mesmas lembranças, agora de Inês, existiam (moravam) na alma do príncipe quando estava longe da amada.

 

Os sonhos e os pensamentos dos versos 5 e 6, dois modos de lembranças, pertencem indistintamente ao amado e à amada.
E o sujeito de "cuidava" e "via" no verso 7
tanto pode ser ela quanto o príncipe.

"De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sisudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,"

O príncipe recusa-se a casar com outras mulheres (tálamo: casamento, leito conjugal) porque o amor despreza, rejeita tudo que não seja o rosto da amada (gesto significa rosto, semblante)
a quem está sujeito. Ao ver esse estranho amor, esse comportamento estranho de não querer se casar, o pai sisudo atende ao murmurar do povo e...

"Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co'o sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra uma fraca dama delicada?"

... decide matar Inês para que o filho seja libertado do seu amor.
O pai acredita que só o sangue da morte apagará o fogo do amor. Que fúria foi essa que fez com que a espada cortante que
afrontara o poder dos mouros fosse levantada contra uma frágil
e indefesa mulher?

"Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava"

Quando os horríveis e cruéis carrascos trouxeram Inês perante
o rei, este já estava compadecido (com dó) e arrependido. No entanto, o povo persuadia, incitava o rei a matá-la. Inês, então,
com palavras ou com a voz triste, sentindo mais pela dor e saudade do príncipe e dos filhos do que pela própria morte...

"Para o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E depois nos meninos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Para o avô cruel assim dizia:"

... levantando os olhos cheios de lágrimas ao céu (somente os olhos, porque um carrasco prendia-lhe as mãos) e, depois, olhando para as crianças – que amava tanto e temia que ficassem órfãs –, disse para o avô cruel (o rei):

"Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento
Como co'a mãe de Nino já mostraram,
E co'os irmãos que Roma edificaram:"

"Se já vimos que até os animais selvagens, cujos instintos são cruéis, e as aves de rapina têm piedade com as crianças, como demostraram as histórias da mãe de Nino e a dos fundadores
de Roma...".
Semíramis, rainha da Assíria e mãe de Nino, a abandonara num monte. Nino foi alimentada por aves de rapina. Rômulo e Remo, fundadores de Roma, foram abandonados quando infantes e amamentados por uma loba.

"Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar uma donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha."

Sendo assim, o rei, que tinha o rosto e o coração humanos (se é que é humano matar uma mulher só porque esta ama um homem que a conquistou), poderia ao menos ter respeito e consideração às crianças, ainda que não se importasse com a triste morte da mãe. Inês suplica, então, que o rei se compadeça dela e das crianças, já que não quer perdoá-la ou absolvê-la de uma culpa, um crime, que não tinha cometido.

"E se, vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida, com clemência,
A quem para perdê-la não faz erro.
Mas, se to assim merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente."

E se o rei sabia dar a morte, como o mostrara ao vencer os mouros, também saberia dar a vida a quem era inocente. Mas
se apesar da sua inocência ainda a quisesse castigar que a desterrasse, expulsasse para uma região gelada ou tórrida
para sempre.

"Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, co'o amor intrínseco e vontade
Naquele por quem mouro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste."

Que ele a colocasse entre as feras, onde poderia encontrar a piedade que não achara entre os homens. Ali, por amor daquele por quem morria ou sofria, criaria os filhos, que eram recordações do pai e seriam consolação da mãe.

"Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra uma dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais, e cavaleiros?"

O rei bondoso queria perdoar Inês, comovido por suas palavras. Mas o povo obstinado, persistente e o destino de Inês (que assim o quis) não lhe perdoaram. Os que proclamavam que ela deveria morrer puxam suas espadas. Mostram-se valentes atacando uma dama.

"Qual contra a linda moça Policena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
Co'o ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha)
Na mísera mãe postos, que endoidece,
Ao duro sacrifício se oferece:"

Assim como Pirro se prepara com a espada ("ferro") para matar Policena, por ordem do fantasma de Aquiles, e ela, mansa e serenamente, move os olhos para a mãe, enlouquecida de dor, oferece-se ao sacrifício... Aquiles, herói da guerra de Tróia, era invulnerável por ter sido submergido, logo ao nascer, na água da lagoa Estígia (Lagoa da Morte). Personagem da Ilíada, de Homero, morreu durante a guerra de Tróia, quando foi atingido por uma seta no calcanhar, o único ponto vulnerável do seu corpo. Pirro, filho de Aquiles, teria sido aconselhado pelo fantasma ("sombra") do pai a matar Policena, noiva do herói morto. Matou-a quando esta se encontrava sobre o túmulo de Aquiles.

"Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que depois a fez Rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos."

   

Do mesmo modo agem os cruéis assassinos de Inês. No pescoço ("colo") que sustenta o
belo rosto ("as obras": o sorriso, o olhar, os movimentos do rosto), pelo qual se apaixonou
(o deus Amor, Cupido, fez morrer de paixão)
o príncipe, que depois a fará rainha, eles (os matadores) banham, lavam suas espadas e também as faces pálidas ("brancas flores") e molhadas de lágrimas de Inês; atacavam enraivecidos, sem pensar no castigo que o
futuro lhes reservava. Camões supõe que
Inês foi degolada, como Policena oferecendo o pescoço ao golpe,
e o sangue escorreu sobre seu rosto.

"Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia!
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes."

Naquele dia, o sol deveria ter se escondido, como fizera quando Tiestes comeu os próprios filhos em um banquete servido por Atreu, para não ver o terrível crime. A última palavra de Inês –
o nome de Pedro, o príncipe – ecoou longa e repetidamente por toda a região. Camões iguala a crueldade da morte de Inês à da história de Atreu e Tiestes. Tiestes era filho de Pélops e irmão de Atreu. Seduziu a esposa do irmão. Atreu deu a comer a Tiestes
os filhos que nasceram daquela união.

"Assim como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lascivas maltratada
Da menina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co'a doce vida."

Como uma flor colhida precocemente pelas mãos travessas ("lascivas") de uma menina para colocá-la numa grinalda
("capela"), assim está Inês, sem perfume e sem cor. Morta, pálida, com as faces ("do rosto as rosas") secas, murchas, sem rubor.
O padrão de beleza feminino era uma combinação de branco na testa, colo etc. ("branca e viva cor" ) e vermelho ("viva cor") nas "rosas" do rosto.

"As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca Fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores."

As ninfas do rio Mondego durante muito tempo lembraram
chorando a morte de Inês. E, para sua memória eterna, as lágrimas transformaram-se numa fonte chamada "dos amores de Inês", acontecidos ali. A fonte que rega as flores é refrescante porque é feita de lágrimas e de amores.

Fontes:
Klikeducação:
http://ig.klickeducacao.com.br/

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Monumentos em Nome do Amor

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O Taj Mahal é o famoso Mausoléu Indiano mandado construir pelo imperador Muçulmano SHAH JAHAN, para "imortalizar" o amor á sua esposa favorita Mumtaz Mahal, também conhecida como Arjumand Banu Begam, que faleceu em 1631, devido a complicações no parto do décimo quarto filho.
O Taj Mahal é um conjunto arquitectónico que serve de mausoléu para Arjumand. Considerado por muitos como um dos mais lindos prédios do mundo, umas das actuais sete maravilhas do mundo, constitui um monumento ao amor eterno. Alguns historiadores consideram que o fascínio do Taj Mahal se deve ao grande amor que o Shahjahan tinha pela sua esposa.
Inteiramente em mármore branco, incluindo os quatro minaretes, é composto por cinco estruturas: a entrada principal, o jardim, a mesquita, o jawab e o mausoléu. O Taj Mahal é rigorosamente simétrico de qualquer dos seus lados e, devido à sua transparência, apresenta múltiplas tonalidades ao longo do dia, dependendo da posição do SOL.
Arquitectado por um grupo de arquitectos da Índia, Pérsia e Ásia Central, a construção deste monumento iniciou-se em 1632. Mais de 20.000 trabalhadores trabalharam diariamente para concluir, em 1643, o mausoléu central, de quatro lados e uma cúpula, sobre um nível elevado de mármore e com arcos de 33 metros. As mesquitas adjacentes, os muros e o portão foram terminados em 1649. Todo o edifício, que inclui um espelho d’água e vastos jardins, levou mais de 22 anos para ser construído.
O Taj Mahal localiza-se em Agra, antiga capital do império Mughal, norte da Índia, às margens do rio Jamuna. Património da Humanidade, pela Unesco em 1983, recebe, em média, mais de dois milhões de visitantes, por ano.

Fontes:
Adaptado por Catarina Faria de: http://fotolog.terra.com.br/vika_br:29

Imagem: http://www.adrenaline.com.br